Ainda este tempo de COVID

Quem nos dera que o título escolhido para esta crónica fosse bem diferente e nos tivéssemos livrado desta pandemia que nos aflige sem fim à vista. Um inimigo traiçoeiro que rouba vidas e causa danos incalculáveis, consequências bem sentidas, infelizmente, até por cá, nestas bandas do nosso Alentejo.

Claro que, sendo o poeta uma pessoa de sensibilidade extrema a quem as palavras ajudam a fazer a catarse dos momentos, não só vivendo intensamente esse correr dos dias como extravasando essas sensações no registo permitido, não posso deixar de me sentir influenciado por este momento ímpar nas nossas vidas. E nesse sentido, embora me repetindo nesta ânsia de almejar um tempo novo, escolhi este poema, simples, que mereceu ser musicado por um artista das bandas de Elvas, que muito tem dinamizado a aprendizagem da música e os Grupos de Cantares daquelas freguesias. Em particular da minha aldeia de Santa Eulália.

Foi um poema que surgiu em tempos de confinamento por motivos do COVID-19. Um poema, que nos fala do confronto com um tempo inesperado que motivou uma folga numa vida demasiadamente ocupada, que deu lugar a uma revisitação de registos passados, muitos deles dispensados na sua utilização. Situação que, vulgarmente nos acontece e que é necessária, que sendo penosa pela lembrança de certos momentos, exige livrar-nos do bafio do baú das memórias e partir com confiança à procura de um tempo novo. Um tempo novo que nos requisita, em união de esforços, a reconstrução de uma vida sobre os destroços deixados por este impiedoso COVID. Um mundo melhor, mais justo e mais fraterno, onde se possa sentir o calor da amizade.

 

À procura dum tempo novo

 

Fui pela manhã como quem ressuscita

levar papéis que atirei rasgados,

memórias, lembranças, registos de vida

para rever, que tinha guardados.

 

Foi parte de mim que ali ficou,

impus ao corpo e alma fazer limpeza.

Fiquei mais leve naquilo que sou

num tempo de dúvida e incerteza.

 

Achei estar perante um tempo novo

dos destroços erguer a construção

feita de esperança pelas mãos do povo

num laço amigo de união.

 

Senti naquele gesto ficar um pouco

do que fui, sendo raiz de esperança,

que o medo, este tempo louco

seja um amanhã de alegria e bonança.

                                    (Inédito)

José António Contradanças
Economista / Gestor