O Grito do Ipiranga

Recentemente numa conferência global em que fui convidado a participar, um interveniente brasileiro apresentou uma perspetiva que ainda não tinha ouvido sobre o Grito do Ipiranga, que simboliza o marco histórico da independência do Brasil. Segundo o orador, a ideia de “independência ou morte” proclamada nesse momento fundador, tem-se vindo a revelar trágica enquanto elemento de fratura da sociedade brasileira, fomentando o individualismo, algum isolacionismo, o populismo fácil, a fragilidade democrática, as desigualdades profundas e o abandono das populações que económica ou socialmente não conseguirem atingir a sua “independência”.

Lembrei-me na altura e contrapus que o segredo da paz que a União Europeia tem desfrutado no seu território nos últimos sessenta anos é exatamente o contrário do grito do Ipiranga. A proclamação de Roma apelou á interdependência enquanto resposta ao conflito.  Foi a interdependência crescente entre os territórios e os povos europeus que evitou a repetição cíclica das guerras fratricidas numa parte substancial do Continente e conduziu a um período único de desenvolvimento e progresso. Que esta constatação nos sirva de inspiração para os tempos difíceis que nos esperam. Cooperação, solidariedade e interdependência são o melhor antídoto à conflitualidade, à guerra e à morte.

Transponde esta lição para um patamar diferente, dependerá também da boa interdependência e cooperação entre territórios, empresas, instituições e sociedade civil, a nossa capacidade de recuperar e modernizar o Alentejo no contexto pós pandemia.  Ao contrário de algumas interpretações que respeito, mas não acompanho, entendo que a nova fórmula de eleição do Presidente e de designação dos Conselhos Diretivos das Comissões de Coordenação Regional não é um passo em frente no sentido da regionalização. Quanto muito é um passo ao lado, para permitir um aprofundamento da municipalização e da governação de proximidade do território.

A municipalização tem trazido muito de positivo ao desenvolvimento local e regional, mas exige cada vez mais abertura à interdependência, aos projetos conjuntos, à partilha de estratégias regionais e de equipamentos estruturantes, ao diálogo aberto e à quebra de barreiras psicológicas.

Que ninguém tenha a tentação, ainda que metafórica, de inebriado pelo poder acrescido, em vez de procurar as boas parcerias, e as vantagens da cooperação entre todos, proclamar o grito do Ipiranga no seu quintal. Só juntos temos força para sermos os donos do nosso futuro. Sem Mais.

Carlos Zorrinho
Eurodeputado PS