O piloto acusado de dois homicídios durante uma aterragem de emergência numa praia da Caparica após uma falha de motor, em agosto de 2017, foi ontem absolvido pelo Tribunal de Almada.
O piloto instrutor Carlos Conde de Almeida, único arguido no processo, foi acusado de condução perigosa de meio de transporte por ar e de dois crimes de homicídio por negligência.
A aterragem de emergência do avião ligeiro de instrução Cessna 152 que levava a bordo o piloto instrutor e um aluno, no dia 02 de agosto de 2017, provocou a morte de uma menina de 8 anos e de um homem de 56, que se encontravam na praia de São João da Caparica, em Almada.
O coletivo do tribunal considerou não ter ficado provado em audiência de julgamento que o único arguido no processo não tivesse cumprido os procedimentos de emergência a que estava obrigado, apesar da morte de duas pessoas inocentes.
“O tribunal fez de ‘advogado do diabo’, ao confrontar vários pilotos examinadores e instrutores sobre o que poderia ter sido feito de diferente, mas nada se provou nesse sentido”, disse a juíza Céline Borges após leitura da sentença.
A magistrada disse ainda que o piloto controlou a aeronave da forma possível e que a aterragem poderia ter tido consequências mais graves se não o tivesse feito.
O tribunal considerou também que o arguido, logo que foi detetada a falha de motor, percebeu que não conseguiria regressar ao aeródromo de Cascais (no distrito de Lisboa) ou aterrar na praia da Cova do Vapor (também na Costa da Caparica), onde estariam muito menos pessoas, e que amaragem não era opção, pelo que foi forçado a fazer a aterragem de emergência no areal de São João da Caparica.
Nas alegações finais, em 07 de março, a defesa de Carlos Conde de Almeida pediu a absolvição, mas o Ministério Público (MP) defendeu que o arguido deveria ser condenado, referindo que trocou os perigos para os dois tripulantes da aeronave – instrutor e aluno – de uma aterragem noutro local, ou de uma amaragem, pela “morte segura de outros”, numa praia com centenas de pessoas.
De acordo com as alegações do MP, o piloto deveria ter escolhido o local da aterragem de emergência logo que se verificou a avaria, mas só o teria feito demasiado tarde, por ter perdido tempo em sucessivas tentativas para reativar o motor da aeronave.
A advogada Bárbara Marinho Pinto, que representa a família da menina que morreu depois de ter sido atingida pela aeronave, pediu uma “pena de prisão”, mas admitiu que fosse substituída por uma “proibição de voar”.
Após a absolvição de Carlos Conde de Almeida, Bárbara Marinho Pinto disse que esperava outra decisão do tribunal, mas ainda não sabe se vai interpor recurso.
“Evidentemente que não era esta a nossa expectativa. O julgamento é público, poderão ouvir as minhas alegações e perceber qual é a minha discordância face a esta decisão”, disse.
“Há inúmeros aspetos que eu penso que foram incorretamente julgados. O arguido admitiu que esteve durante 50 segundos a tentar reativar o motor – é público, a prova está gravada – mas o tribunal não deu isso como provado. E isso surpreende-me. Tenho que ler a decisão, analisá-la e ponderar o que fazer, porque, para os meus clientes, como devem compreender, o desgaste é muito”, acrescentou Bárbara Marinho Pinto.
Opinião contrária manifestou o advogado do piloto instrutor, Luís Pires de Lima, que considerou ter sido feita justiça.
“Fez-se justiça. Verificou-se que o arguido cumpriu com os procedimentos, fez o que podia. Uma coisa é certa: o avião no ar tinha que descer. O piloto tentou evitar ao máximo este desfecho, que é de lamentar, mas, como se disse no acórdão, podia ser pior se não fosse uma descida controlada, que o foi”, disse.