Solução para travar degradação do Cais do Ginjal pode passar pelos tribunais

Há, pelo menos, quatro entidades que não se entendem quanto às responsabilidades sobre áreas de intervenção e posse de terrenos. O recurso à Justiça parece cada vez mais inadiável e pode vir a ser aceite o pedido para a realização de obras coercivas. O Semmais percorreu o ‘Cais dos Buracos’.

Pode estar para breve a solução que irá travar a degradação do Cais do Ginjal, em Cacilhas, no concelho de Almada. Cada vez mais arruinada a cada dia que passa e constituindo uma séria ameaça para a segurança dos utentes, o destino da estrutura – que agora é apenas de lazer e turística, mas que também já teve relevância económica e laboral – deverá passar pelos tribunais e por uma eventual decisão de realização de obras coercivas.

O Semmais sabe que têm sido efetuadas diversas diligências que envolvem as entidades com interesse na área, desde a Câmara Municipal de Almada e a União de Freguesias de Almada, Cova da Piedade, Pragal e Cacilhas, a Administração do Porto de Lisboa (APL), o grupo empresarial AFA e a Agência Portuguesa do Ambiente (APA). Os encontros têm abordado a questão da responsabilidade pelas obras que se deverão realizar. Num primeiro caso, referente às reparações na zona ribeirinha, há um diferendo de opiniões entre o município e a APL, enquanto que no segundo, que opõe a o AFA e a APA, subsiste uma divergência quanto à posse de alguns terrenos.

O nosso jornal apurou que entre AFA e APA já se discute no tribunal a posse de dois lotes de terreno que o grupo construtor reclama como seus e que pretendeu integrar num amplo projeto de reconstrução para todo o edificado em ruínas e que está estimado em cerca de 300 milhões de euros. Já no caso que opõe a câmara municipal à administração portuária a questão reside na zona do passadiço (de algumas centenas de metros), entre o rio e os prédios em ruínas. Ninguém assume a responsabilidade dos trabalhos e a edilidade, que pretende vedar o acesso ao local devido aos riscos para a segurança de quem por ali circula, não descura a possibilidade de vir a fazer obras coercivas, apresentando para tal uma providência cautelar.

Efetuados contactos com as diversas entidades envolvidas, o nosso jornal acabou por recolher um único depoimento, o da presidente da União de Freguesias, Maria Assis Almeida. “Informo que a União de Freguesias tem acompanhado com muita preocupação a degradação da zona do Ginjal, nomeadamente pelo risco que as pessoas que a utilizam correm. Nesse sentido têm sido feitas várias diligências junto da Proteção Civil e da CMA”, disse Na autarquia almadense foi-nos comunicado que o assunto preocupa e que está a ser acompanhado, não havendo no entanto qualquer declaração oficial dos responsáveis.

“Vim ver os buracos” atira um dos moradores

“Você está aqui pelos mesmos motivos que eu. Vem ver os buracos”. É assim que Vítor Loja se apresenta à equipa do Semmais, em pleno Cais do Ginja. Os buracos, enormes e ameaçadores, também lá estão, no passadiço empedrado e de cimento que separa os antigos edifícios agora arruinados das águas do Tejo. “O que isto era e o que isto é. Só vão fazer alguma coisa quando um dia morrer aqui alguém ou, se calhar, nem isso…”, disse.

Não há, em Cacilhas ou no concelho, quem não se revolte com o estado de degradação de uma zona que há cerca de 30 anos fervilhava de vida, graças ao comércio, aos bares e aos magotes de pescadores, mas que agora não passa de um amontoado de ruínas com centenas de metros de extensão. Dos enormes armazéns ribeirinhos restam as paredes frontais, pintadas ao gosto de grupos de jovens que durante a noite por ali se aventuram, e onde também se pode avistar uma placa que avisa para o “Perigo de Derrocada”. Os telhados e interiores há muito que desapareceram. Caminhar à beira rio é a única forma de conhecer toda a área. Mas não é tarefa fácil. O caminho é cortado por imensas crateras provocados pela erosão das águas e acentuadas após as recentes tempestades. Vai-se a pé, fazendo equilibrismo sobre o que resta do paredão.

“De quem é a culpa? Os principais culpados devem ser a câmara e a junta de freguesia, mas também a Administração do Porto de Lisboa e a tal empresa que, dizem, é dona desta zona toda. O que eu sei é que ninguém faz nada. Isto está tudo a cair e, há algum tempo, até caiu um carro naquele buracão ali à frente”, contou Manuel Almeida, um dos poucos pescadores lúdicos que se aventurou por cima dos antigos ancoradouros que ainda restam, embora já muito comidos pelo tempo e pela falta de manutenção.

“Dantes havia sempre muita gente. Agora é um risco. Quem cair num buraco ou ao rio pode ficar cá. Depois, durante a noite, ainda é mais perigoso. Há uns tipos agarrados à droga que ocuparam, lá para o fundo, uma casa em ruínas. As pessoas têm medo por duas razões”, disse outro pescador, lembrando que também os poucos restaurantes que restam na zona correm riscos de ver as suas receitas a afundarem-se.

“Por enquanto ainda não se nota muito. As casas que aqui resistem têm nome feito no mercado. Trabalham quase só com reservas, com agentes turísticos. Mas admito que se não fosse assim, se tivéssemos de viver com os que aqui possam vir, tudo seria muito mais complicado.

Quem é que quer vir passear para o Cais dos Buracos?”, perguntou à nossa reportagem um dos funcionários interpelados. “É uma pena que deixem cair tudo isto. Toda esta zona é um luxo e há muitos interesses envolvidos, tanto dinheiro que nem sei dizer quanto é…”, concluiu.