Esperança

Quando já estava assente a ideia de título para esta crónica, suportada num poema que me surgiu, entre tantos, durante estes tempos de pandemia, eis que ao ler uma entrevista do neurocientista António Damásio, diretor do Instituto do Cérebro e da Criatividade da Universidade da Califórnia do Sul, retive no que dizia, haver três palavras mágicas para o que vivemos: “Tragédia, incerteza e esperança.” E achei serem estas três palavras fundamentais para entendermos o presente, refletirmos o passado e animarmos o futuro.

Não vou discorrer sobre a tragédia vivida à escala global, sem distinção de credos nem raças, atingindo tanto pobres como ricos, colocando à condição humana uma luta pela sobrevivência. Apesar de me procurar informado não terei capacidade para criar certezas nem conhecimentos científicos, baralhado pela profusão de notícias e de acontecimentos.

Por outro lado, embora tenha tomado consciência do valor da palavra “incerteza”, neste preciso momento, também me parece ser uma incógnita a que não estarei à altura de procurar solução. A incerteza mais do que nunca requer lucidez na procura de soluções, que serão variadas e extensíveis a todas as áreas que contribuem para o bem-estar das pessoas e das populações. Mas uma coisa parece certa, e nisto alinho também pelo pensamento e pelas palavras de António Damásio: “…é impossível passar este período sem haver um reajustamento da forma como olhamos para nós e para as sociedades em que vivemos”.

E, por assim dizer é esta afirmação que sustenta a “esperança” de que, não só seremos capazes de ultrapassar e vencer este maldito vírus a que chamam de COVID-19 como, fruto desta vivência e de uma reflexão que nos foi imposta, seremos capazes de interiorizar a necessidade de procedermos a alterações profundas na nossa maneira de estar e fruir da natureza que nos é oferecida pelo planeta em que habitamos e que tão mal tratado tem sido pela ação gananciosa do homem moderno.

O poema que associei a este momento único nas nossas vidas procurou, também ele ser uma reflexão sobre o mundo que fomos criando e que foi formatando as nossas vidas. Estas, tanto mais viradas para o “ter” e menos para o “ser”, onde a poesia e a filosofia, foram sendo olhadas como sendo coisa de lunáticos de sonhos e de quimeras, que nada acrescentam à riqueza das nações. Um poema de palavras e imagens simples, traduzindo a esperança que deve estar presente nas mãos que cavam a terra húmida na procura do engodo para peixe que se há-de pescar. E é desta força que precisamos, este sinal de quem acredita num futuro melhor. SemMais!

Esperança

Está um tempo de cavar minhocas

como nas tardes primaveris

de adolescente procurando a pescaria,

revolvendo a terra húmida e pura,

sonhando o peixe enganado, guloso

pelo engodo rico nas águas a boiar.

 

A esperança sempre avivou o olhar

e incendiou o pensamento.

A minhoca mais gorda e viva

a desafiar o peixe cobiçado,

o mais bonito nas águas límpidas,

aquele que se mistura no sonho

a que não se sabe o momento.

 

A esperança que o sonho alumia,

a minhoca que já é peixe,

as mãos a procuram cavando

a terra húmida.

Sinal de quem acredita

e vive o momento que há de vir.

(Inédito)

José António Contradanças
Economista / Gestor